Arequipa tem pouco mais de um milhão de habitantes
e a segunda maior cidade do Peru
"Imagina eu saindo daqui (Brasil, interior de São Paulo), uma cidadezinha de 11 mil habitantes, pequenininha, minúscula, encarando uma cidade de um milhão e meio de habitantes. Foi um choque".
Roger - Quando seu marido foi, já havia uma conversa entre vocês, "eu vou primeiro e depois você vem", ou foi em decorrência da não adaptação dele?
Vanir - Eu e meu marido sempre tomamos decisões juntos. Toda decisão que ele ia tomar ele sempre conversava comigo antes, nunca tomamos decisões precipitadas. A gente sempre conversava sobre os assuntos e ele achou realmente melhor ir primeiro. Na verdade, vamos fazer um parênteses: 'ele foi em janeiro, ficou janeiro e quando foi em fevereiro (2019), eu fui só para conhecer a cidade'. Fui, fiquei uma semana e voltei. E ai, ele continuou lá e ficou morando sozinho até o finalzinho de julho.
Roger - Imagino como foi difícil mesmo, morar em uma cidade pequena e ir para uma cidade bem maior, com outra cultura e em outro pais...
Vanir - Não... Outra cultura, outra língua, a comida é diferente. É uma adaptação muito diferente. Eu nunca tive medo das coisas, nem eu e nem meu esposo. Somos mesmo de encarar e enfrentar as coisas, mas enfrentar outra língua, outro país, outra cultura. Você literalmente olha para as paredes é só você, seu marido e seu filho e mais ninguém. Era literalmente isso o que tinha, só nós três! É lógico que você acaba fazendo amizade com uma outra pessoa. Mas os peruanos são mais fechados, não são como nós brasileiros, mais comunicativos, eles para levarem para dentro de casa, você tem que ter muita amizade com eles.
Roger - E toda essa questão de visto para morar lá? Porque para viajantes eles não exigem, mas como vocês iriam morar lá, como foi o processo?
Vanir - Sim... Tem o 'Acordo do Mercosul', são vários países da América do Sul e o Peru faz parte desse acordo. Então nós podemos entrar até com o RG, eu tenho passaporte, mas pode entrar apenas com o RG. Você tem a permanência no país por 90 dias, como turista. Mas antes de vencer esses 90 dias, se for morar lá, tem que fazer todo o procedimento, que se chama 'Carné de Extranjeria', que é um RG de lá, como se fosse um RG brasileiro.
Imagem do que seria o Carné de Extranjeria
Abaixo, Vanir responde se é difícil tirá-lo
"Não é muito complicado de se tirar. Você tem que aqui no Brasil levar alguns documentos, apostilado. Tem que ir no cartório, tem um pouquinho de custo. Se não me engano paguei, 200 e pouco em cada apostilado. Tive que apostilar o histórico (escolar), do meu filho, minha certidão de casamento. Tem que ir daqui também (Brasil), com um atestado, certidão negativa da 'Polícia Federal', chegando lá, tem que ir no banco, tem o 'Banco da Nación', pagar uma taxa, depois ir na delegacia deles, comisaría como falam e fazer todo o processo, de que não está devendo nada para a polícia do Brasil e nem para peruana. Pagar mais uma taxa e aí ir no 'Ministério de Exteriores', marcar uma cita (compromisso) e levar toda a documentação no dia, lá eles tiram fotografia e assim, não é muito difícil, tem que se fazer em partes. Eu fiz para mim e para o meu filho. Meu marido fez primeiro, porque ele já estava lá e depois quando eu cheguei, foi eu.
Roger - E qual é validade desse carné?
Vanir - Esse carné ele tem a validade de dois anos. Depois você tem que renovar para mais dois anos e depois de cinco anos, você já se torna como se fosse cidadão peruano.
Roger - Então todo o trâmite para se morar no Peru é feito por lá?
Vanir - Sim, na verdade o trâmite é feito no Peru, mas quando você entra na página de lá, você sabe o que tem que levar daqui do Brasil. Sabendo o que terá que levar é muito mais fácil, estar lá e não ter depois que ficar mandando documentos do Brasil. E por sorte, entrei em um grupo do Facebook, de brasileiros que moravam no Peru, fiz uma pergunta e graças a Deus, todos me ajudaram a solucionar minhas dúvidas, eles falaram, 'é isso e isso'. Então me ajudou muito, já sabia antes de ir, o que precisaria ser levado, para quando chegar, não precisar ficar esperando o correio. Comecei o trâmite aqui, mas o restante se faz lá!
Roger - No caso, se quisessem voltar teriam que renovar?
Vanir - Sim, seu eu quisesse voltar teria que revonar, porque agora ele está vencido se não me engano. Então eu teria que pagar uma multa. Eu não sei como estão os trâmites agora, depois da pandemia mudou muita coisa.
Vanir contou que gostaria de ter feito um vídeo em seu canal explicando esse caminho, mas precisa ter certeza de como estão as regras, após a chegada da pandemia.
Roger - E esse grupo era apenas de brasileiros?
Vanir - Esses grupos são muito importantes. Quando eu fui só passear no Uruguai, eu queria algumas dicas de viagem e também entrei no grupo de brasileiros morando no Uruguai e lá eu tive muitas informações. Então sempre entro em grupos assim.
Roger - E vocês conversam sobre voltar a morar lá?
Vanir - Vou ser muito sincera com você. Eu gostaria de voltar, mas como eles queriam muito que meu marido voltasse, gostariam que meu marido voltasse agora em janeiro de 2021, passasse só as férias aqui e voltasse. Meu marido ficou com medo de voltar, porque a pandemia estava a todo vapor ainda, ele ficou com medo de fechar as fronteiras de novo, de não conseguir voltar, de não ver a gente ou a gente não ir lá para ver ele. Porque fizeram proposta para que o meu marido ficar seis meses lá e depois ele voltava para o Brasil, ficava 15 dias, voltava de novo e ficava três meses. Iríamos nos ver dois meses no ano, mas aí meu marido não quis.
Mas Vanir, afirma que mesmo assim, se houvesse uma oportunidade, ela voltaria.
Vanir - Eu voltaria, se tivesse uma oportunidade, eu voltaria! Amei morar lá! Tem muitas diferenças, tem muita coisas diferentes. A cidade que eu morava é rodeada por três vulcões. Eu me senti em paz lá, alguma coisa me fazia sentir bem lá!
Arequipa tem três vulcões.
Pichu-Pichu, Sasami e
Misti (foto), que é o único em atividade
Roger - Seu filho chegou a frequentar escola antes da pandemia começar?
Vanir - Sim... Assim que eu cheguei lá! As aulas lá são um pouquinho diferentes, elas começam em março, depois terminam e voltam em agosto. E sabendo disso, já fui com o histórico. Como eu não sabia falar espanhol e muito menos meu filho, fiquei sabendo que lá eles costumam passar muitas lições de casa e como eu ia ajudar meu filho a fazer lição de casa, sendo que eu não sabia falar a língua? Então eu procurei uma escola, que ficasse quase o dia inteiro, ele entrava às 8 (da manhã) e saia às 4:15 (da tarde), mas eles não passavam lição para casa, se fazia lição dentro da sala de aula. Mas quase todas as escolas são esses os horários (integral), saem duas horas, três horas (da tarde). Então optei por essa escola. Não ficava muito longe, a pé da minha casa, ficava meia hora de caminhada, então optei por lá. Ele estudou desde agosto, até dezembro. Voltamos de férias em dezembro, para o Brasil. Voltei em janeiro para o Peru e as aulas dele começou em março, 11 de março (2020), e no dia 14 (março), fechou tudo!
Apresentação na escola do filho, aliás esse era o uniforme da escola
Roger - E você fez amizades lá?
Vanir - Vou te contar um caso bastante interessante! Nesse grupo de Facebook, que falei, uma pessoa me respondeu e passado um dia depois que ela me respondeu, mandou mensagem falando se podia falar comigo por vídeo chamada, era uma brasileira, Diane. Falei: 'pode'. Simplesmente começamos a conversar aqui, comecei a conversar com ela, ela morava em Arequipa também por coincidência e quando eu cheguei em Arequipa, eu encontrei com ela, nos tornamos grandes amigas, amo ela de paixão! Frequentei a casa dela, o marido dela é peruano. É uma amizade fora de sério. É uma coisa que eu vou carregar por toda a minha vida.
Vanir com sua amiga, Diane, que é casada
com peruano
Sobre amizade com peruanos, Vanir complementa.
"Sobre amizades com peruanos. Eu peguei amizade com a mãe de um dos alunos que estudava com meu filho, Patrícia. Uma das poucas peruanas que conheci. Eles são mais fechados e a Patrícia não, a Patrícia, tinha um jeitinho brasileiro, porque ela era muito comunicativa. Mas essa amizade era assim, ela na casa dela e eu na minha. Tudo o que eu fazia era sozinha".
Patrícia é a senhora que aparece indicada pela seta
Roger - Então vocês tiveram contato com famílias peruanas?
Vanir - Tive sim! Além disso meu esposo tinha amizade com pessoas que trabalhavam com ele. Um dos encarregados, nos chamou para ir a algumas festas peruanas. Até é muito engraçado, eu fiz um vídeo sobre isso, como a cultura deles é bem diferente da nossa. As festas, são muito diferentes das nossas. Eles bebem no mesmo copo, tipo assim. 'Eu bebo um gole de cerveja, e passo o copo para outra pessoa, a pessoa bebe e assim por diante, sabe... A comida, não é na mesa servida, todas as pessoas estão sentadas em cadeiras, sem mesa e a pessoa da casa, ela vai lá, põe a comida no prato para você e você come o que ela pôs, não existe isso de você ir lá e se servir. É desse jeito que funciona lá.
Roger - E com danças também?
Vanir - Vamos falar uma parte boa! Eu amo o jeito do peruano viver, ele tem amor a pátria dele. Quando chega a época de festas pátrias, eles colocam bandeiras, enfeitam, soltam rojão, fazem desfiles. Tem uma praça linda em Arequipa, a 'Praça das Armas', eles fazem festivais lá e eles gostam de usar aquelas roupas típicas. Na escola, muito legal! Porque toda a festa tinha que comprar uma fantasia, ou usar uma fantasia. Tinha muita dança, os meninos dançam, as meninas dançam. Lá eles são assim, não existe isso, do menino não dançar e as meninas dançarem, essa parte eles são muito abertos em relação a isso. Eu tinha um orgulho, porque parece que falta um pouquinho pra nós brasileiros isso, amor à pátria.
Roger - Você acha que a língua também atrapalhava nessa questão do contato com eles?
Vanir - Não! Eles falam rápido mesmo! Mas é o jeito deles, eles não são muito abertos não! São muito família! Em família é muito amor! Muito cuidado! Mas com pessoas de fora, mesmo entre eles, Eles são um pouco reclusos, eu não falava nada de espanhol, não vou mentir para você, eu falo hoje pouco ainda, tenho dificuldade em algumas palavras, mas eu me virava, eu ia muito na mimica, né? É engraçado que, eu ouvia e entendia o que eles falavam, eu só não conseguir falar para eles o que eu queria.
Roger - E seu filho teve dificuldade com essa questão da grade curricular? Porque é totalmente diferente. O que estudamos aqui, não se estuda por lá.
Vanir - Sim, ele teve um pouquinho de dificuldade. Aqui no Brasil ele estudava meio período só e a escola no Brasil, não era tão puxada quanto no Peru. Eles levam muito a sério o estudo. O que eles querem para os filhos, é que estudem! Lá tem muita escola. Essa escola que eu pus meu filho para estudar, é uma escola particular. Elas não são caras. Se pagava 600 soles (atualmente o valor seria R$ 839), como se fosse 600 reais aqui no Brasil e ele ficava integral na escola. Era uma escola muito boa! Para ele foi muito difícil, além de ser adolescente, ele é muito tímido, muito tímido mesmo! E foi uma adaptação muito difícil para ele no começo, tinha uma namoradinha aqui, aí ele ficou um pouco chateado, mas depois foi se adaptando.
Roger - E como era na escola do seu filho, questão de merenda, etc.
Vanir - Houve um problema com isso também. A merenda lá na verdade é paga, eles usam muito alguns sistemas dos Estados Unidos. Então é pago, você pagava mensalmente, por dia e é assim; Era um intervalo de manhã e outro mais a tarde. O almoço deles também é bem tarde, almoçam entre uma e meia , duas horas da tarde. Meu filho começou a comer, eu dava dinheiro para ele e ele comia a comida da escola. Mas infelizmente deu uma infecção intestinal muito forte nele. Nós passamos uma semana com ele com febre, teve uma noite que ele estava com quase 40 graus de febre, nós sozinhos, não sabíamos o que fazer, aonde o levar, já era mais de meia noite, ele tremia, começou a delirar. Aí meu marido sentou na cama, começou a falar, 'nós vamos voltar para o Brasil, nós vamos voltar para o Brasil'. Eu falei, 'não, calma. A gente precisa só saber onde levar ele". Porque a saúde no Peru não é muito boa não viu! Se nós reclamamos do Brasil, quem mora fora entende, como funciona. Lá tudo é pago! Então esse foi um dos momentos mais difíceis, foi quando ele ficou doente (o filho). E aí o que eu resolvi fazer então, resolvi bancar a brasileira e fazer comida em casa, fiz meu arroz, fiz meu feijão. Comecei a fazer com os ingredientes deles, mas dando uma abrasileirada e meu filho começou a fazer a marmita para a escola. Lá também é normal, brasileiro que acha que isso é um problema. 'Levar comida na escola, que vergonha', não, lá isso não existe. E aí, ele melhorou, nunca mais teve problema com infecção.
Roger - Eu consigo imaginar o que vocês passaram. Até porque é tudo muito diferente.
Vanir - Quando você está fora do seu habitat natural, aqui é uma cidade pequena, eu sei onde levar, o que comprar. Então você se apavora, nos nós apavoramos muito, principalmente por ser filho, né? E a gente levou no dia seguinte no médico, mesmo assim, passou remédio e não resolveu. Passado, dois, três dias, tivemos que levar em outro hospital. Pagamos, todas as consultas, ficou tomando soro, o médico desconfiou que era apendicite, fomos fazer o ultrassom, já imaginou ter que operar ele aqui, em outro país, nossa, ai comecei a surtar. Mas, nessa hora, você tem que parar e pensar, 'estamos aqui e temos que resolver o problema, aqui. O que iremos fazer?'. Então nessa hora, por mais que fique nervosa, você tem que centralizar seus pensamentos.
Roger - E como teu filho agiu nesse momento. Ele estava com medo, também quis voltar?
Vanir - Ele não gostou de morar. Acho que por n coisas, adolescente, fase mais complicada da vida, ele era muito agarrado à irmã. E a irmã, apesar de dez anos de diferença é como se fosse filho e mãe também. E ele sentia muita falta de algumas coisas do Brasil, a namoradinha que estava aqui. Então foi difícil pra ele! Acho que foi mais difícil pra ele, do que pra mim e pro meu esposo.
Roger - E ele também conseguiu fazer amizades?
Vanir - Fez! Graças a Deus fez! Ele fez uns três, quatro amigos, mas teve um um que se destacou muito, o Gonçalo. Primeiro dia, ele já puxou conversa com meu filho, foi muito comunicativo e isso deixou meu filho mais confortável. Ele foi na minha casa algumas vezes, mas depois infelizmente, veio a pandemia. E quando viemos embora, um dia antes, ele foi na minha casa, com a mãe dele, para dar um presente para o Braian (filho da Vanir). Ele conversa até hoje com o Braian. Eu acho que Deus põe anjos, é uma coisa que eu tenho sempre em mente. Que Deus põe anjos na vida da gente. E lá, ele pôs a Daiana, brasileira como anjo, e pôs a Patrícia como anjo também, porque ela me ajudou muito em relação a escola. Cada dúvida que tinha da escola, eu mandava mensagem e ela me respondia, mesmo ela não sabendo falar. Era tipo assim, eu tentava falar um pouco em espanhol pra ela, e ela tentava falar um pouco em português para mim enrolado, era muito engraçado!
Brian filho de Vanir (de chapéu), com seus colegas.
Gonçalo é o de jaqueta preta
Roger - Como eram essas dúvidas que surgiram em relação a escola?
Vanir - Quando meu filho faltou na escola mesmo, eu tive que levar um atestado. Mas aí, cheguei lá e no dia seguinte, ele teve que faltar de novo, porque ele não se sentia bem, só que ao mesmo tempo lá era proibido. O que era proibido lá? Não podia levar celular para a escola. Aqui no Brasil isso é tudo normal né? Lá não podia. E como eu mando um filho, que não conhece a escola, não conhece nada, sem celular? Então, ele levava escondido na calça e quando queria muito falar comigo, por alguma coisa, ele ia no banheiro escondido e falava no telefone comigo. Se ele fosse pego, teria advertência. Um dia ele ficou doente, eu tive que ir na escola, ele mandou mensagem, dentro do banheiro. 'mãe minha barriga continua doendo, precisa vir me buscar na escola'. Quando eu cheguei na escola, fui falar na diretoria. 'Mas como você sabe que seu filho esta doente? Eu não sou muito de mentir e falei, ' ele me mandou mensagem, eu pedi ele pra trazer o celular hoje, mandou mensagem falando que estava doente'. Aí já começaram a falar que eu não podia. É muito rigoroso! Eu expliquei, falei que estávamos nos adaptando e eles foram um pouquinho mais compreensível. Mas falaram que da próxima vez, iria levar uma suspensão. E dúvida também em relação assim, passava as vezes um trabalho pra fazer, pesquisar onde? As vezes mandava pesquisar história não sei de onde, não sabia o que fazer. As vezes eles inventavam uma festa a fantasia, que fantasia eu tenho que comprar, aonde que eu compro essa fantasia? Na saída da escola, ficava um professor ou um responsável assinando a última tarefa do dia, se não fez mandava bilhete pra casa, eles são muitos rígidos.
Vanir também fala do uniforme escolar, ou farda.
Vanir - Uma das coisas também era o uniforme, não pode ir sem uniforme. As meninas não podem ir de brinco, não pode colar. Meu filho adora colar, não pode! Alias o cabelo, meu filho tinha o cabelo quase no ombro, teve que cortar, eles não aceitam cabelo comprido na escola para homens. E mulheres tem que ir com cabelos presos, não pode ser solto.
Roger - Nossa, e tinha explicação do motivo para essas regras?
Vanir - Não, não tinha explicação. Na verdade eu conversei com o marido da minha amiga, que é peruano, e ele disse que isso é uma regra militar. E os colégios antigamente eram todos do exército e isso foi se passando por anos!
Roger - E todos os colégios têm essa exigência?
Vanir - Todos os colégios pelo que eu percebi são exigidos cabelos curtos para os meninos e as meninas cabelos presos. O procedimento é geral, alguns colégios, não exigem uniforme completo, que no caso do meu filho tinha que ir de calça social, camisa social, um paletó por cima e gravata. Alguns colégios, só uma calça jeans e uma blusa. Mas a maioria é esse uniforme social que eu falei. Mesmo no colégio publico é esse o uniforme.
Roger - Eu quero falar agora, um pouco sobre a questão geográfica. Porque ali você não tem as quatro estações como tem aqui no Brasil. A temperatura lá é muito seca, tem um longo período de chuva. E como foi essa adaptação? Apesar de que você mora no estado de São Paulo e ele tem uma temperatura um pouco mais amena do que outros estados. Como foi para vocês a adaptação à temperatura deles
Vanir - A questão da temperatura, primeiro lugar a altitude, lá nós estávamos a 2300 metros, acima do nível do mar, então você se sente muito casado. O corpo acostuma com o tempo, mas quando você chega, não consegue respirar direito, quando anda parece que está muito cansado. Questão de chuva, em Arequipa, três vezes no ano, geralmente começa em dezembro, vai janeiro e março, acabou, não tem mais. Passa-se um ano inteiro depois sem chuva. E questão de temperatura, na verdade eu amava a temperatura do Peru, aqui onde eu moro é muito quente, hoje mesmo (dia da entrevista), está 37 graus, então está muito quente. E lá não passava de 22, 23 graus, não passava disso. Chegamos até pegar temperatura muito baixas. De madrugada uns 3, 4 graus de temperatura. Lá não se sai sem blusa porque com o cair da tarde, 3,4 horas da tarde, já se esfria, então você tem que ter uma blusa na mochila ou na bolsa, porque vai ficar com frio.
A família em passeio em Cuzco
Vanir também falou sobre Cuzco que é ainda mais alto e é um dos destinos mais procurados por brasileiros e estrangeiros
Vanir - Cuzco, é mais alto ainda. A gente foi pra Cuzco e teve um lugar que eu fui onde estávamos a mais de 4 mil metros de altura, acima do nível do mar. Esse, tinha que subir umas escadas para chegar, eu dava dois passos e morria, dois passos e morria.
Roger - Tomava remédio para enjoo?
Vanir - Até que não precisei tomar muito não! Eu já fui acostumando, mas em Cuzco, eles vendem até oxigênio portátil para turista, sabe? E eles mastigam muito lá, a folha de coca e também tem a bala de coca, o chá de coca. Eu tomei chá de coca, comprei balinhas de coca, isso tudo ajuda a aumentar a oxigenação do nosso cérebro. Tem um remédio também que não me recordo o nome agora, que se compra em farmácia para quem viaja para esses lugares.
Tubo de oxigênio a venda
Imagem - reprodução
Roger - Depois desse período todo, vem um outro mais seco né?
Vanir - Sim, na verdade você não vê uma nuvem no céu. Depois desse período é só céu claro, claro, azulzinho, não vê uma nuvem.
Roger - Vai ficando mais frio?
Vanir - Quando eu fui a primeira vez, sai, fui de bermuda e regata, brasileira né? Cheguei no centro de Arequipa, quando deu umas três horas da tarde, começou um frio, que eu não sei de onde saiu, tive que ir embora pra casa, era um frio insuportável!
Rpoger - E as pessoas não te olharam estranho, pela forma brasileira que estava vestida?
Vanir - Vamos falar das roupas. Então peruana, não usa bermuda, você vê um aqui e outro lá, mas não usa. O vestimento deles é calça e blusa, botinha, basicamente! Então quando eu cheguei lá, eu pus short e sai, e todo mundo me olhava, porque você está no centro histórico, ninguém te olha. A partir do momento em que você está morando em uma vila, começam a ate olhar. Simplesmente eu abandonei todas as minhas bermudas e só usava calça e blusa. Nunca mais eu usei bermuda na rua, nem blusinha regata.
Roger - Então você trocou tudo?
Vanir - Não, não troquei não! Na verdade eu não sabia né? Como eu fiquei uma semana de turista lá, fui do hotel para o centro e no centro você via muito turista, então eu não sabia dessa parte. Uma coisa que eu aprendi morando fora do país é que tem que respeitar o local que você está em contato e a cultura que você se encontra, então eu respeito a cultura deles. Talvez não goste! Mas eu respeito.
Com relação ao apartamento que moravam. Vanir conta que ao chegar no país, já alugaram um apartamento com todos os móveis.
Vanir - Lá eles usam muito o hábito de alugar o apartamento, amoblado (mobiliado), já com a mobília, o que faz muito nos Estados Unidos. Então quando chegamos, procurei. Saímos daqui do Brasil, eu com uma mala, meu filho com outra. E chegando lá, já alugamos uma casa com tudo mobiliado.
Roger - Vamos entrar então nessa questão da pandemia. Porque você muda em 2019 e ai vem a pandemia. Aqui você sabe como foi, toda a confusão, gritaria, o pânico. E tínhamos a questão política também, não vamos entrar nisso, mas só situarmos. E aqui quando se fecha tudo e se fala em fazer lockdown, houve muita gritaria e muito burburinho, descontentamento, não aceitação de vacina, não aceitação da pandemia, questionando números, como foi lá? E o Peru, tem uma grande quantidade de turistas, tem um lado turístico muito forte, como foi? Quando falaram vamos fechar, encerrar as atividades. Como o peruano, aceitou isso? E pra vocês, como receberam a noticia que tinham que ficar lá, sem poder voltar para o Brasil?
Vanir - Para os peruanos, eu percebi que eles levaram muito a sério! Eu acho que desde o início, eles não questionaram, pelo que percebia. Quando foi feito, o presidente fechou tudo e as pessoas acataram. O inconveniente que houve com o Peru, se não me engano, 70, 80% dos trabalhadores, são informais ou seja, vivem do que ganham no dia. Então você imagina, né? Eles gostam de comer muita comida fresca, frutas frescas, carne fresca. Então eles têm muitas feiras. ´´E um trabalho muito informal, e então quando houve isso, acredito que muita gente passou necessidade. E o grande foco, eram essas feiras livres, porque era muita gente, eu amava ir também viu!!! Mas eles acataram, acho que no Brasil, eles não aceitariam como foi feito lá não. Na verdade se não respeitava, houve casos de policiais, quebrarem portas, de pessoas que estavam fazendo festas e prender todo mundo. Eles quebravam porta mesmo. Então, se acontecesse isso no Brasil, não sei o que seria!
Feiras citadas por Vanir
De acordo com a BBC News, a informalidade chegou de fato a 80% em 2004.
Mas com o passar do tempo, foi reduzindo, mesmo assim em 2021, ela chega
à casa dos 70%
Vanir ainda completa
"Acredito que em questão de política, vendo o que acontecia aqui, realmente foi uma diferença muito grande. Agora, eu acredito que o presidente do país (Peru), sabendo que onde ele governava, a questão da saúde era precária, e não é de agora, é muito antiga, e conversando com pessoas de lá, ele sabia que não ia conseguir, então ele fechou por conta disso mesmo".
Roger - E como eram essa feiras?
Vanir - Essas feiras, eles chamam terminal pesqueiro, eu ia muito nela. É um terminal onde vende frutas, carnes, roupas, sapatos, verduras, enfim. É como uma grande feira livre, muito maior do que um mercadão, pensa em um lugar grande, muito, muito grande! E lá, o peruano, gosta de comer comida fresca, comprou hoje, comeu hoje, comprou hoje, comeu hoje. Eles gostam de consumo imediato. Não tem essa igual a gente de fazer compras. E também a carne né? A carne lá nessa feiras, são vendidas assim, dentro de uma barraca, mas não dentro de frigorífico, matou hoje, pôs lá, você compra e já leva para casa. Acho que comprei uma vez só lá assim, porque a gente fica com receio, mas lá isso é comum. A cultura deles é comer assim. Aqui não temos isso, mas lá é assim. E na minha opinião, o valor das frutas, das verduras, carnes é muito mais barato. E tinha os grandes hipermercados como, o Totus, Arequipa Center, Metro. que são fabulosos, mas essas feiras são maias acessíveis ao público em geral.
Roger - Então lá também teve essa questão de festa clandestinas que a polícia teve que intervir? E como eram essa festas? Eram de jovens?
Vanir - Houve sim! Eu acho que houve menos que no Brasil. Acho que as pessoas respeitavam mais do que no Brasil, mas não tinha idade não. Lógico que é sempre mais jovens que têm essa liberdade né? Mas acho que tinha um grupo de 40 para baixo, essa faixa etária.
Roger - Nesse tempo de pandemia. O que foi mais difícil para vocês. Era realmente a falta da família?
Vanir - Em primeiro lugar a família né? Era tudo desconhecido. Para o mundo inteiro, era desconhecido! Então para nós também, morando fora do país.
Roger - Não era comum ver peruanos em supermercados com carrinhos como aqui? Mas e aí na pandemia? Quando tudo parou? Mesmo assim eles não estocaram comida?
Vanir - Sim, eles vão no supermercado sim, mas gostam muito dessas feiras como te disse. Realmente não são de estocar muito! Mas na pandemia, quando eu fiquei sabendo. Esse é o começo da história, notei que tinha algo de errado por conta disso. Eu não sabia que estavam fechando o país, busquei meu filho no dia 11 de março e passava sempre em frente a um mercado muito grande, tipo atacadista. E ele não tinha muitas pessoas fazendo compras, geralmente quem comprava, comprava para revender. E eu passei e via uma ocupação muito grande nesse supermercado. Voltei para casa e falei com meu marido. 'Está acontecendo alguma coisa, o mercado Economax, está lotado!'. E ai ele falou, vamos dar uma olhadinha. Nós fomos lá e tinha fila para entrar, coisa que nunca tinha acontecido, nos oito meses que eu morei lá. No outro dia eu fui no mercado que eu costumava ir e percebi, que o negócio ia fechar. E fiquei quase três horas, dentro do mercado, tinha uma fila enorme, acabou tudo nas prateleiras, principalmente coisas de limpeza, comida, arroz, feijão, essas coisas acabaram tudo. Água sanitária, eu comecei até passar mal. Sabe aqueles filmes que você assiste dos Estados Unidos, as pessoas saqueiam, parece que vai acontecer alguma coisa? Foi exatamente dessa maneira, que eu me senti nesse momento, isso foi dia 12 de março, ainda não tinha anunciado que iam fechar.
Ela conta que ao chegar do supermercado em casa, ligou para a filha no Brasil e a pediu para estocar alimento em casa.
"Cheguei dentro de casa e mandei mensagem para a minha filha aqui no Brasil. 'Filha começa a estocar coisas, porque se aqui no Peru está começando a ter esse tipo de euforia, ai no Brasil vai faltar e vai encarecer o preço. Ela foi no supermercado, começou a estocar, ela e mais uma amiga aqui no Brasil, e depois, dias depois, essa amiga me anda mensagem falando: 'Vanir, ainda bem que você me avisou, porque agora realmente começou a faltar algumas coisas".
Roger - Aqui vimos supermercado aumentando valores e como foi por lá?
Vanir - Não por conta da pandemia não! Agora eu converso com amigos meus lá e parece que subiu um pouquinho. Mas na época do inicio da pandemia não. Tanto que eu vim embora no inicio de outubro do ano passado e os preços continuavam. Subiu pouco, dez centavos, vinte centavos.
Roger - E como foi o trabalho do seu marido durante esse tempo?
Vanir - O trabalho dele acabou dia 16 de março e só voltou final de junho, ficou parado, a empresa inteira ficou parada, todos os funcionários. E quando voltou com pessoas reduzidas, e funcionários acima de 60 anos, não voltaram. O salário continuou sendo pago, mesmo ele ficando em casa. Algumas pessoas lá tiveram o salário reduzido, mas tiveram negociações até inquilinos, que negociavam com proprietários. Foi bem difícil, agora imagina, nós brasileiros, eu meu marido e meu filho, ficamos dentro de um apartamento. Meu filho ficou sete meses sem sair de casa. Eu sair com ele sete meses depois, na calçada para ele tomar um pouquinho de sol.
Vanir complementa sobre a pandemia
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